Telefonemas interceptados pelo Ministério Público de Ribeirão Preto (SP) indicam que empresários concorrentes do setor de limpeza urbana se articularam e trocaram informações entre si sobre as licitações da varrição e da coleta do lixo e buscaram pressionar a Prefeitura de São Paulo para a aceleração do processo.
As gravações reforçam informações registradas em cartório pela Folha em abril sobre suposto acordo entre empresas do setor, em contratações que, somadas, ultrapassam R$ 11 bilhões.
Os promotores de Ribeirão interceptaram, com ordem judicial, entre abril e setembro últimos, os telefones celulares de três ex-dirigentes da empresa de lixo Leão Leão, entre os quais Rogério Tadeu Buratti, ex-assessor do ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, e envolvido no escândalo Waldomiro Diniz, ex-assessor parlamentar do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu.
De acordo com os diálogos gravados e obtidos pela reportagem no mês passado, a Leão Leão, que disputava a varrição, buscou formas de interferir e obter informações privilegiadas da prefeitura sobre a continuidade da licitação.
As fitas, além de apontar uma articulação e citar diversos encontros entre empresas concorrentes, falam na formação de um "grupo" e retratam a pressão de empresários para que as duas licitações do lixo -da varrição e da coleta- caminhassem juntas.
A denúncia registrada em cartório pela Folha citava uma suposta combinação entre as empresas para a disputa da coleta (cujo valor atingiu R$ 9,84 bilhões) e apontava que ela se estendia aos contratos de varrição (de R$ 1,4 bilhão) -os quais serviriam como uma compensação para os perdedores ou para os que não disputassem a licitação maior.
"Essa é a hora do Bira [empresário, da Construrban] pressionar lá, né? Não deixar abrir se não tiver bem conversado, né? Porque senão vai virar tiroteio", disse em 26 de abril Wilney Barquete, então presidente da Leão Ambiental (do grupo Leão Leão), a Marcelo Franzine, diretor da empresa.
O diálogo ocorreu um dia antes da abertura dos envelopes com as propostas comerciais da licitação da coleta de lixo em São Paulo.
Em outra gravação, Barquete e Franzine conversam sobre uma reunião na sede da Abrelpe, a associação que reúne os empresários de lixo. No encontro, segundo os diálogos, seria discutida a concorrência municipal do lixo.
Nas gravações, feitas antes da divulgação das propostas comerciais, os executivos se dizem preocupados com a conduta do presidente da entidade, Eduardo Castagnari, da empresa Cavo, que estaria garantindo seu espaço na disputa, mas sem se preocupar com os demais. A Cavo se tornou uma das vencedoras da coleta, num consórcio com a Vega e a SPL, e assinou os contratos no mês passado -após a licitação ter sido suspensa pela Justiça.
"Só que todo mundo enxerga que a empresa dele [Castagnari] está se acertando, né, entendeu, e ele é o representante de todos, oficialmente. Então, ele tem que se colocar, num primeiro momento, preocupado em garantir que o processo ande. E, num segundo momento, se for uma pressão muito forte, ele também vai levar essa informação pra turma lá dele, né? Que, se algo sair dos trilhos, pode criar grandes problemas, entendeu?", afirmou Barquete.
Ele orienta Franzine, seu subordinado, a polemizar durante a reunião, se valendo de colegas "pit bulls", para chamar a atenção para os interesses de todas as empresas na concorrência da varrição -que estava parada, depois de determinação do TCM (Tribunal de Contas do Município).
Ligações diretas
Os diálogos sugerem que os executivos também buscavam pontes com a gestão Marta Suplicy. Os empresários costumam fazer referência a uma mulher que passaria as informações de bastidores da prefeitura. "Ela faz uma ligação direta no órgão, num nível debaixo lá, que é amiga dela, entendeu?", conta Franzine.
Na mesma conversa, Barquete reclama do pouco trânsito do empresário Bira, que, segundo a investigação da Polícia Civil e do Ministério Público, seria Ubiratan Sebastião de Carvalho, administrador regional de Santo Amaro na gestão Luiza Erundina (1989-92) e membro do grupo que fez a proposta de limpeza urbana da campanha do PT em 2000.
"Agora, você vê que o Bira não adianta, né? O Bira não está chegando na ante-sala de onde precisa, né? Eu conversei com o nosso ex-amigo aqui, e contei pra ele os prazos aí, e parece que ele teve um contato", analisa Barquete.
Numa conversa gravada em 14 de junho, Quirino Ferreira, advogado que representou a empresa de lixo Limpfort Engenharia Ambiental na disputa da varrição, fez um alerta a Barquete.
Segundo ele, a empresa Emparsanco, fundada por petistas, tendo atuado em Santo André, estaria assumindo um papel de "interlocução". No relato de Barquete a Franzine, ela "teria assumido lá uma postura perante a administração municipal em nome dos contratos de varrição".
O representante da Limpfort chega a comentar com Barquete, da Leão, de um grupo levado para a licitação por Rogério -supostamente Rogério Buratti. "Isso não é leal para um grupo que validou todo esse processo", diz ele, reclamando da estagnação da concorrência da varrição. E completa: "Falei até pro Rogério, que ele me trouxe para o processo, pelo respeito a ele e pelo grupo que ele formou".
Em suas conversas com os executivos da Leão Leão, Ferreira mostra-se inicialmente otimista quanto à continuidade da licitação da varrição. Duas semanas após a divulgação de documento registrado pela Folha sobre uma combinação de resultados, ele diz a Franzine: "Se não abrir o nosso [da varrição], vai ficar configurado que é uma sacanagem". A concorrência acabou revogada pela prefeitura no mês passado.
Em 20 de julho, agora insatisfeito com a lentidão do processo, Ferreira acrescenta para Barquete: "Vou ficar famoso e vou deixar muita gente famosa, nem que for [sic] na página policial."
09/11/2004
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