O governo federal está negociando com os Estados o projeto para alterar a lei de licitações (8.666/93), que pretende encaminhar ao Congresso depois das eleições. Para dar mais agilidade aos investimentos públicos, a proposta inibe e limita a apresentação de recursos contra os resultados de processos licitatórios. Por outro lado, permite a realização de concorrências com oportunidade de lance para os participantes.
Uma vez abertos os envelopes, quem perdeu teria chance de refazer sua proposta comercial, cobrindo aquela inicialmente vencedora. Atualmente, esse tipo de disputa - em que um concorrente pode cobrir a proposta do outro, pedindo preço ainda mais baixo - só é possível nos pregões. Mas essa modalidade de licitação, criada em 2002 por lei específica, não pode ser usada para contratação de grandes obras, só para compras de bens e serviços até determinado valor. Nas concorrências públicas, que são outra modalidade, os participantes podem fazer uma única proposta de preço.
O governo federal quer encaminhar ao Legislativo um projeto previamente negociado com os Estados, para assegurar tramitação rápida, informa o secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Rogério Santanna. Por isso, decidiu adotar como ponto de partida das discussões um projeto do Conselho Nacional de Secretários de Administração (Consad), orgão que representa os Estados nas negociações.
Ainda há divergências a resolver. "Naquilo que é fundamental, porém, há consenso", afirma o presidente do Consad, Geraldo Aparecido Vitto Júnior. De fato, em entrevistas separadas ao Valor, ele e Rogério Santanna defenderam exatamente as mesmas mudanças.
Segundo eles, um dos principais objetivos das alterações pretendidas na lei é "combater a indústria de recursos" - reivindicação também levada pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) ao presidente Lula, na semana passada. O excesso de brechas para contestação de resultados parciais ou finais das licitações torna morosos os processos de contratação de obras públicas, quando não os impede por anos.
Os responsáveis pela elaboração do projeto pretendem atacar o problema de três formas. Uma delas é limitando a um único momento a possibilidade de contestação, informa Rogério Santanna. "O recurso só seria possível na fase final", diz.
Ele lembra que a legislação atual permite recurso administrativo em diversos momentos, na medida em que são conhecidos os resultados de cada fase: na da habilitação dos participantes, na da apresentação das propostas técnicas (quando é o caso) e na da apresentação das propostas comerciais (de preço). Enquanto os recursos não são julgados, o processo não anda. "Numa licitação com 20 participantes, são possíveis 60 recursos", exemplifica Santanna.
Outra forma de evitar que os processos licitatórios sejam travados desnecessariamente é permitindo a inversão de fases, possibilidade já adotada pelas legislações estaduais da Bahia e de São Paulo, informa Geraldo Aparecido Vitto Júnior. Quando for de interesse do órgão público contratante, diz o presidente do Consad, será possível realizar em primeiro lugar a entrega e abertura das propostas comerciais, deixando para depois a fase da habilitação.
Isso ajuda porque é na fase da habilitação que mais surgem recursos. Para reduzir o número de concorrentes na fase de apresentação dos preços, as empresas se sentem estimuladas a tentar impedir a participação das demais logo de saída.
Se a disputa de preço vier primeiro, esse incentivo desaparece. Quem perder continuará tendo o direito de questionar o resultado, mas saberá de antemão que, se substituir o vencedor, terá de cobrar o preço já determinado. A não ser que a contestação seja sobre a viabilidade do preço em si. A inversão de fases ainda economizará tempo, pois os orgãos licitantes só terão que se preocupar em examinar a documentação do vencedor e não do conjunto de participantes, destaca Geraldo Vitto.
Uma terceira forma de reduzir os recursos é permitir a correção de erros meramente formais nas propostas e documentação dos participantes, introduzindo uma fase saneadora, informa Rogério Santanna. Embora muitos não comprometam em nada as propostas, esses erros (como, por exemplo, trocar letras ou uma vírgula por um ponto) têm servido de pretexto para tentativas de tirar concorrentes da disputa.
O projeto da nova lei de licitações tem outro objetivo que também foi alvo de revindicações da CBIC ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva: evitar que entrem nas concorrências empresas inidôneas, que pedem preço baixo só para vencer, sem se preocupar se a proposta é economicamente viável.
Uma vez contratadas, elas costumam fazer só a parte da obra que lhe interessa, que é economicamente viável para elas, e depois abandonam o empreendimento. Até que o poder público consiga rescindir o contrato e selecionar novo empreiteiro, a obra fica parada por muito tempo.
Também já ocorreram diversos casos de descumprimento de contrato por parte de empresas de serviços, sobretudo as de limpeza. Algumas não pagaram os funcionários, jogando um passivo trabalhista para a União. "Até tribunais já foram vítima desse tipo de empresa", conta Rogério Santana, do Ministério do Planejamento.
Para ambas as situações, já existe pena administrativa por descumprimento de contrato. A empresa fica impedida por dois anos de participar de novas licitações. Conforme Rogério Santana e Geraldo Vitto, esse prazo será ampliado, podendo chegar a dez anos.
O projeto de lei ainda estenderá a inabilitação às pessoas físicas de sócios e representantes, para evitar que os "picaretas" acabem conseguindo participar de novas licitações abrindo novas empresas.
O projeto da nova lei também trará normas padronizando os procedimentos de inabilitação, para evitar que as más empresas se reabilitem na Justiça e para tornar os processos mais rápidos. A idéia é fazer com que o impedimento saia antes que o poder público consiga rescindir o contrato. Hoje, a inabilitação só sai depois da rescisão.
21/08/2006
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