Muito se questiona sobre a possibilidade de cooperativas, do ramo trabalho, participarem de procedimentos licitatórios e conseqüentemente contratarem com o poder público. A Lei do Cooperativismo, Lei 5.764/71, em seu Capítulo I, Da Política Nacional do Cooperativismo, artigos 1º, 2º e seu parágrafo único, estabeleceu que o Governo Federal deverá, no campo de suas atribuições, coordenar e estimular as atividades de cooperativismo no território nacional.
Regulamentou, a citada lei, o que a Carta Magna de 1988 preconizou em seu artigo 174, parágrafo 2º, 3º e 4º, ao estimular e favorecer o cooperativismo, uma vez que a lei, conforme a Constituição Federal, apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo, além de estipular que o Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros.
As cooperativas, segundo disposição constitucional, terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando. Nas disposições gerais, a Constituição da República continua ainda, no que se refere à ordem social, que tem por base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça social, a casar os ditames legais com o que se idealizou para o cooperativismo, pois ambos possuem, entre seus ideais, o da justiça social através do primado do trabalho, seja o trabalho na esfera privada, seja na esfera pública.
Estabelece ainda, no Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I, Dos direitos e deveres individuais e coletivos, artigo 5º, inciso XVIII, a impossibilidade de interferência estatal no que se refere ao funcionamento de cooperativas, além de independência, quanto à autorização para o seu funcionamento.
Seguindo esta concepção moderna, nossa Constituição Federal também é clara ao estabelecer em seu artigo 37, inciso XXI, a obrigatoriedade de se observar sempre o princípio primordial da licitação, impondo aos Administradores a observância, entre tantos princípios, os da legalidade e o da igualdade, vedando assim, situações que discriminem ou restrinjam a participação de licitantes.
Corroborando neste sentido, o artigo 3º, parágrafo 1º, incisos I e II, dos Princípios Gerais da Lei de Licitações e Contratos (lei 8.666/93), regulamentando o artigo 37, inciso XXI da Constituição Federal, estabeleceu sabiamente que os princípios da legalidade e o da igualdade seriam os responsáveis pela ação da Administração Pública quando de um processo licitatório, sem prejuízo dos demais princípios por ela relacionados.
A licitação, não podemos esquecer, destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração, sendo processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
Como sabemos, é vedado aos agentes públicos, quando de um procedimento licitatório, admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou qualquer outra circunstancia impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, estabelecer tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciário ou qualquer outra, entre empresas brasileiras e estrangeiras, inclusive no que se refere à moeda, modalidade, e local de pagamentos, mesmo quando envolvidos financiamentos de agências internacionais.
O princípio da legalidade aplica-se de forma rigorosa em especial junto à administração pública, já que o administrador público somente poderá fazer o que estiver expressamente autorizado em lei, onde a vontade subjetiva do administrador não existe, pois na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza, diferentemente da esfera particular, onde é permitida a realização de tudo que a lei não proíbe.Nos ensina o saudoso Mestre dos Mestres, Hely Lopes Meirelles, em recente obra atualizada, sob a coordenação do Professor Eurico Andrade Azevedo, Licitação e Contrato Administrativo – 13a edição, Malheiros Editores, 2002, que a igualdade entre os licitantes é o princípio primordial da licitação, previsto na própria Constituição da República (artigo 37, XXI), pois não pode haver procedimento seletivo com discriminação entre participantes, ou com cláusulas do instrumento convocatório que afastem eventuais proponentes qualificados ou os desnivelem no julgamento (artigo 3º, parágrafo 1º).
O que o princípio da igualdade entre os licitantes veda é a cláusula discriminatória ou o julgamento faccioso que desiguala os iguais ou iguala os desiguais, favorecendo a uns e prejudicando a outros, com exigências inúteis para o serviço público, mas com destino certo a determinados candidatos que é a forma mais insidiosa de desvio de poder, com que a Administração quebra a isonomia entre os licitantes, aliás, razão pela qual o Judiciário tem anulado editais e julgamentos em que se descobre perseguição ou favoritismo administrativo.
Após discorrer especificamente sobre o tema cooperativismo, constatamos que não há impedimento de as cooperativas participarem das licitações promovidas pelo Poder Público, porque o princípio da igualdade que rege as licitações não diz respeito à condição jurídica dos licitantes, mas sim, às obrigações estabelecidas para sua participação no certame, sendo possível a qualquer pessoa jurídica ou física participar de uma licitação desde que preencha os requisitos de qualificação jurídica, técnica e financeira e esteja em situação regular com suas obrigações fiscais trabalhistas (trabalho do menor). Não se pode fazer distinção entre a sociedade anônima, por quotas de responsabilidade limitada, sociedade civil ou sociedade cooperativa.
A participação de cooperativas em licitações públicas acaba por dar uma nova possibilidade ao Poder Estatal de reavaliar seus custos, uma vez que o Cooperativismo dá, às relações institucionais, o que de mais moderno e dinâmico existe entre capital e o trabalho do século XXI.kicker: As cooperativas terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra de recursos
(Legal & Jurisprudência1)(Cássio Telles Ferreira Netto - Advogado da Ferreira Netto Advogados, especializado em Direito Público e Cooperativista)
18/08/2003
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