O governo Lula prepara para o segundo mandato mudanças importantes na gestão das estatais. O plano é profissionalizar a administração dessas empresas, melhorar seus resultados e coordenar suas ações na execução de políticas públicas. O desafio é grande, mas a boa notícia é que, apresentada na segunda-feira pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, em reunião no Palácio do Planalto com a presença do presidente da República, a proposta foi bem recebida.
Apesar das privatizações ocorridas entre 1991 e 2001, o governo federal ainda possui 117 empresas estatais, além de outras 75 no exterior, estas subsidiárias da Petrobras e do Banco do Brasil (BB). Das 117, 87 são sociedades anônimas, mas apenas três têm ações efetivamente negociadas em bolsas de valores. Vinte e duas são empresas públicas (100% controladas pela União).
Em 2005, as estatais lucraram R$ 35,702 bilhões, mas 65% desse resultado foi gerado por apenas uma empresa - a Petrobras (R$ 23,450 bilhões). Houve prejuízos também - 45 empresas apresentaram resultados negativos, totalizando perda de R$ 1,540 bilhão. O que o governo quer fazer agora é introduzir, na gestão das suas empresas de capital aberto, conceitos modernos, como o de "governança corporativa", já adotados, com sucesso, em duas das estatais - a Petrobras e o BB.
"As empresas estatais devem gerar melhores resultados para a sociedade", reconhece o ministro Paulo Bernardo. Segundo ele, melhorar a gestão resultará em geração de mais recursos (dividendos) e investimentos; fortalecimento do mercado de capitais; oferta de produtos e serviços mais acessíveis à população; e maior eficácia na execução de políticas públicas.
Segundo o ministro, hoje não há uma coordenação entre as diretrizes do governo e as ações das estatais. Este é um velho drama vivido pelas diferentes administrações. Há estatais que, de tão poderosas e independentes, se dão ao luxo de não cumprir ordens do governo. Isso dificulta a implementação de políticas governamentais. Outro problema identificado pelo Planejamento: decisões importantes demoram a ser tomadas nas empresas estatais. Além disso, há dificuldades para avaliação do desempenho da gestão das empresas.
Para mudar esse quadro e aperfeiçoar as práticas de governança corporativa, o Ministério do Planejamento estabeleceu seis diretrizes. A primeira delas é aprimorar o marco legal de atuação das empresas. A segunda é organizar o Estado na função de acionista. A terceira é promover um tratamento equânime a todos os acionistas, públicos e privados. Outra diretriz importante é o governo se relacionar com os outros acionistas.
A quinta diretriz é tornar as empresas transparentes e obrigá-las a divulgar seus atos. A última é usar o Conselho de Administração como instância adequada para a melhoria da gestão. "Isso pode se tornar um marco divisório na forma de relação do acionista (no caso, o governo) com suas empresas, responde a uma expectativa da sociedade e do mercado acionário e acompanha as tendências internacionais", assinala Bernardo, acrescentando que os países da OCDE adotaram essas mesmas diretrizes para o funcionamento de suas estatais.
O plano do governo prevê a criação, por decreto, da CGPAR (Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União). A nova instância, que terá representantes do Planejamento, da Fazenda, da Casa Civil e dos ministérios aos quais estão vinculadas as estatais, coordenará as ações das empresas, decidirá e controlará a execução das diretrizes firmadas. Trata-se de um colegiado com autoridade política. "A proposta do Planejamento é menos intervencionista na gestão e mais eficaz na avaliação", observa o ministro Paulo Bernardo.
O governo quer também criar uma espécie de UTI para cuidar dos casos de estatais com graves desequilíbrios patrimoniais. Com isso, fará uma intervenção mais direta na gestão e nos planos de recuperação de ativos e liquidação das empresas problemáticas. A idéia, aqui, é usar a expertise da Emgea, empresa criada em 2001 para gerir a carteira de créditos podres, especialmente financiamentos habitacionais, da Caixa Econômica Federal.
De todas as tarefas previstas, apenas uma dependerá do crivo do Congresso Nacional: a elaboração dos estatutos jurídicos das estatais, como determina o artigo 173 da Constituição. Cada estatuto é uma lei e definirá questões como a função social das empresas, as formas de fiscalização, as regras de licitação e contratação de obras, a constituição e o funcionamento dos conselhos fiscal e de administração.
O ideal seria privatizar, senão todas, pelo menos a maioria das empresas estatais ainda existentes. O tema, no entanto, foi interditado, durante a campanha eleitoral, pelo candidato Lula. Decisiva para a vitória do presidente, a demonização das privatizações foi um desserviço ao país.
Empresas estatais são, em geral, menos eficientes que companhias privadas. As exceções, aqui ou alhures, não invalidam essa verdade. Estatais são alvos fáceis da sanha patrimonialista dos políticos. No primeiro mandato do governo Lula, como se sabe, não foi diferente, embora, claro, também não tenha sido propriamente uma novidade.
Do governo Collor à gestão Fernando Henrique Cardoso, a União vendeu dezenas de estatais, apurando receita de US$ 56,2 bilhões e transferindo ao setor privado dívidas no valor total de US$ 11,3 bilhões. No mesmo período, os Estados apuraram US$ 27,9 bilhões com suas privatizações e se livraram de dívida de US$ 6,7 bilhões. Àqueles que alegam que essa dinheirama, usada para o abatimento da dívida pública, não impediu que o país quebrasse em 1999 e mesmo em 2002, fica a pergunta: onde estaríamos hoje, sem aqueles recursos?
Na ausência das privatizações, o plano de Paulo Bernardo para as estatais é, sem dúvida, uma excelente alternativa.
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